Cultura

O Bando de Surunyo revitaliza músicas com quase 400 anos

Fotografia gentilmente cedida pela Universidade de Coimbra

Grupo musical da Universidade de Coimbra traz ritmo barroco para o século XXI. Músicas de Natal renascentistas em foco no novo álbum. Por Tomás Barros e Luísa Tibana

O Jornal A Cabra esteve à conversa com o diretor d’O Bando de Surunyo, Hugo Sanches, acerca das motivações por detrás deste projeto. O ‘ensemble’ teve origem cá na cidade e conta com a participação de diversos músicos empenhados a não deixar morrer todo um património musical. Está para breve a gravação das músicas para o primeiro CD do grupo.

Como é que nasceu este projeto?

Esta ideia nasceu diretamente do meu projeto de doutoramento, quando o fiz na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (UC). Estudava este tipo de música e criei o grupo para interpretar o reportório que estava a estudar, a nível académico. Como as canções são muito bonitas, e o grupo tinha uma dinâmica muito interessante, começou-se a ter uma vertente mais visível e profissional. Hoje é um ‘ensemble’ profissional de música clássica e barroca e dá vários concertos.

Que músicas vão estar presentes no álbum?

Vamos gravar reportório português do século XVII, mais propriamente de 1650. Os temas foram retirados de manuscritos que pertencem à Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC) e compostos no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra. Trata-se de música de Natal dessa altura.

Como foi o processo de seleção?

A partir do meu trabalho de doutoramento, que consistiu em descobrir esta música, editá-la e ter partituras legíveis para músicos de hoje em dia. Como há muito reportório de Natal, a música foi selecionada a partir daí. Em paralelo, com este estudo filológico, formei um grupo para interpretar não só as músicas de Natal, mas também as que mais gostámos.

O álbum já está a ser gravado?

O álbum vai ser gravado entre 26 e 29 de dezembro. Depois há o período de produção do som, de masterização e de mistura. Suponho que em fevereiro começaremos a disponibilizar algumas gravações para as pessoas que nos apoiaram na produção do CD, a partir de uma campanha de ‘crowdfunding’, como para a UC, que dá um fortíssimo apoio ao projeto.

Diria que existe um público alvo?

Sim, há um nicho para este tipo de música: pessoas que apreciam a música barroca. No entanto, apesar de atingir sobretudo um grupo específico, o seu público alarga-se com alguma facilidade. Esta música é de facto muito cativante. As pessoas que arranjam um pouco de curiosidade e dispõem-se a ir aos concertos acabam por gostar muito. Por estar associada ao teatro, possuir uma dimensão dramática muito forte, com o contraste entre momentos cômicos e comoventes, a música comunica muito ao público.

Porque é que o todo repertório vem do Mosteiro de Santa Cruz?

A BGUC possui um enorme património de música antiga, grande parcela vinda do Mosteiro de Santa Cruz. Depois da extinção das ordens religiosas, no século XIX, uma parte considerável do espólio deste centro cultural e intelectual muito importante em Portugal foi recolhida na BGUC. Algum ficou assim disperso pelo país todo, por diversos arquivos, coleções privadas e bibliotecas. Todavia, houve um esforço durante o século XX para recolher em Coimbra a maior parte do repertório que pertence à cidade.

Como tiveram acesso a estas músicas?

Os livros do acervo da BGUC são de acesso público. Para saber onde estão é preciso conhecer um pouco a literatura especializada, entrar no domínio da História e da Filologia. Houve pessoas que estudaram estes manuscritos alguns anos atrás, nos anos 1930 e 1940. Além disso, por estar no âmbito académico, pesquisei os manuscritos à procura desta música, no intuito de a catalogar. É de grande importância o conhecimento dos índices e inventários desses manuscritos, para que depois mais pessoas possam ter acesso a esta música.

Já sabem em que locais o álbum vai estar disponível para aquisição?

Uma vez com o CD gravado e masterizado, vamos ver a melhor maneira de o tornar público. No momento, há três hipóteses: procurar uma editora que esteja disposta a editar o CD, ser a UC a o editar, ou sermos nós a fazer a edição.

Quando são os próximos eventos d’O Bando de Surunyo?

Vamos ter dois concertos agora este fim de semana, no “Festivais de Outono”, organizado pela Universidade de Aveiro. No próximo dia 16, atuamos na capela da UC, às 18 horas no âmbito de um novo projeto que se chama “Orfika”. Esta iniciativa é um braço de outro projeto, chamado “Mundos e Fundos”, dedicado à recuperação de património musical português.

Um dos focos é manter viva a cultura portuguesa dos séculos XVI e XVII?

Sim. Diferente da arquitetura, escultura, ou pintura, em que o restauro é evidente, quando se vai a um museu, ou vê um edifício antigo, a música, para ser visível, tem de ser interpretada. Portanto, esta recuperação e manutenção do reportório português exige, não só que se conheça a música que temos, que está espalhada pelas nossas bibliotecas, mas também que se interprete e que se grave, para as pessoas poderem ouvir.

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