Ensino Superior

“Às vezes custa-me estar a estudar quando sei que ao mesmo tempo posso estar a fazer algo que muda o mundo”

Natural do Porto, Catarina Pais Rodrigues é aluna do quinto ano do Mestrado Integrado em Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (UC). Torna-se a 1 de outubro membro da direção do Comité de Educação Médica da Federação Internacional de Associações de Estudantes de Medicina. Associativista desde que se lembra, reconhece que a federação é pouco conhecida em Portugal, mas encara o desafio de forma positiva. Por Margarida Maneta

O que é a Federação Internacional de Associações de Estudantes de Medicina?

A Federação Internacional representa 1,3 milhões de estudantes de Medicina de todo o mundo, através de associações nacionais. Nasceu a par das Organização das Nações Unidas e continua a trabalhar em parceria com eles. Através desta parceria, acaba por refletir acerca do que é melhor para o bem-estar populacional e sobre as diversas áreas onde a saúde pode ser aplicada. Por esta altura, estão na Assembleia Geral das Nações Unidas a debater como é que os jovens podem contribuir para o futuro, por exemplo, quanto às questões ambientais. Ainda que o ensino seja um enfoque, não é o único. Existem seis comités: educação médica, saúde reprodutiva, saúde pública, direitos humanos e paz, intercâmbios clínicos e intercâmbios científicos. Não é uma associação de estudantes como as outras.

Quais são as tuas funções?

Em primeiro lugar, chegar a todas as organizações membro e promover sa discussão sobre sistemas de educação médica. Por exemplo, a Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) tem debatido o número de vagas na área e a qualidade do ensino médico. É importante chegar a eles como chegas a outros locais, como a França, que está a preparar uma reforma curricular. Para ajudar todas as associações, tentamos desenvolver uma tomada de posição, ou manuais, de modo a que consigamos representar os interesses de todos. Em segundo lugar, promovo momentos de capacitação e desenvolvimento dos estudantes. Se queres estudantes no pedagógico, tens de os preparar para intervir na educação. Perceber como podem agir, através, por exemplo, de ‘workshops’.

Como é que chegaste até aqui?

Eu, por meio do núcleo de estudantes, candidatei-me a uma delegação da ANEM. Gostei, senti que os meus horizontes foram expandidos nos âmbitos que posso atingir enquanto estudante. A partir daí, comecei a envolver-me. Formei-me para dar formações sobre educação médica pela federação. Recentemente, fui assistente regional para a Europa da educação médica e, desde então, comecei a estar em contacto com todas as associações-membro. Em agosto candidatei-me, fui eleita e inicio funções a 1 de outubro.

Como é que concilias os estudos com o associativismo?

A minha mãe diz que ando a passear em Medicina e que o que faço efetivamente é o associativismo. Confesso que tem uma pontinha de verdade. Às vezes, custa-me estar a estudar quando sei que ao mesmo tempo posso estar a fazer algo que efetivamente muda o mundo. As pessoas que vão para o Comité de Educação são aquelas que estão mais desapontadas com o ensino. Concilia-se bem porque, quanto mais se tem para fazer, mais se faz. Eu nunca posso desligar totalmente de nenhum lado, a minha caixa de entrada continua a aumentar.

Achas que hoje os estudantes se ligam ao associativismo?

Não. Há uma pressão imensa para fazeres o currículo e teres boa média, pelo que as pessoas não se querem comprometer com nada. O facto de as pessoas não verem uma recompensa imediata faz com que não invistam tanto nisto.

Os estudantes de Medicina portugueses reconhecem e aderem à Federação?

Acho que não. Em duzentas pessoas, duas ou três conhecem. Desconhecem a organização e o impacto que tem.

Como é que pensam chegar a mais alunos?

Para chegar a mais pessoas, temos de ter uma ligação forte com as instituições membro. Algo que tenho feito é disponibilizar-me para estar presente em congressos e partilhar a minha experiência a nível nacional.

E a nível local há algum reconhecimento?

Acho que as pessoas não percebem. Dão-me os parabéns, mas não sabem como usar. Já tivemos um presidente da federação que era português e ninguém sabia.

Como é que a UC pode beneficiar com a tua entrada na Federação?

Podem contar com a minha experiência. Eu posso transmitir o meu conhecimento e o que aprendo. Para além disso, também posso ser uma ponte para contactos internacionais.

Sinto que há uma grande dificuldade dos regentes em encontrarem uma ideia de universidade

Agora que estás em contacto com outras associações, o que consideras que a UC tem de melhor?

A UC tem uma boa representação estudantil. Temos palavra e sinto que conseguimos incluir os estudantes nos processos. A discussão acerca do Regime Fundacional que ocorreu este ano na UC, envolveu a Associação Académica de Coimbra, o que não acontece em muitos países. O ponto forte é este.

E a melhorar?

A hierarquia. Sinto que há uma grande dificuldade dos regentes em encontrarem uma ideia de universidade. Cada um está lá pela sua própria unidade curricular e não pela instituição como um todo, que é como devia ser.

Como é que olhas para o atual serviço de saúde em Portugal?

Se vires os carros da Queima das Fitas, nota-se que estamos muito preocupados com o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Surpreendentemente, o SNS está igual em todo o país, a nível de planeamento. Não há planeamento dos recursos humanos. O SNS destacou-se pela positiva quando foi instituído porque melhorou o sistema de saúde em Portugal. Ainda assim, está hoje sujeito à boa vontade dos seus profissionais e não a um bom planeamento político. O SNS é um barco brilhante e luxuoso, único no mundo, porque permite o acesso gratuito à saúde a todos, mas que aos poucos se vai afundando, porque encontra um “cabo das tormentas” que é a falta de planeamento.

Com Samuel Santos

Fotografias: Miguel Mesquita Montes

[atualizado a 26/09 às 19:23]

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